Minha Visão Sobre o Queijo de Leite Cru

Trabalhar com leite cru, ao contrário do que muita gente pensa, não é coisa que se deveria fazer de forma ingênua ou caseira, especialmente com queijos frescos ou jovens. Até porque o leite geralmente não é de produção própria e não se sabe exatamente em que condições foi obtido. Isso é fundamental. Pessoas que trabalham com leite cru conhecem seus animais individualmente, sabem que o leite não varia na sua composição dia após dia, estão de olho na reprodução e sanidade do rebanho, separam animais com problemas da ordenha principal, adotam os princípios da obtenção higiênica do leite, usam pré e pós dipping, fazem testes da caneca de fundo preto (sempre) e CMT (com frequência) nas vacas, não oferecem alimentação fermentada mas sim pasto e alimentos secos, buscam colaboradores sensíveis à complexidade que é a pecuária leiteira. Com essas medidas, a produção artesanal ganha corpo. Obviamente existem outras formas de fazer queijo do que de forma verticalizada, como a produção autoral e algumas produções caseiras bem estruturadas, só pra ficar claro. E, claro, tem gente que não precisa fazer teste nenhum, porque já sabe tudo quando coloca o nariz mais perto do balde ou do tanque e observa as "cintilâncias" da superfície do leite.
Fazer queijo de leite cru é como malabarismo com sete cones. Quem quer chegar lá, começa com dois ou três, depois cinco... O problema é quando "alguém(s)" insiste(m) em nivelar todo mundo por baixo e defende(m) ideias ultrapassadas em lei, ainda do tempo onde não existia refrigeração ou conhecimento sobre microbiologia. Existem queijeiros de verdade que, humildemente, sabem mais do que muito técnico ou legislador, mas não têm os argumentos estatísticos pra discutir trabalhos científicos ameaçadores com eles. O tratamento térmico, vulga pasteurização, é apenas uma ferramenta útil, mas não obrigatória, e não pode balizar as regras de procedimento, nas condições que eu descrevi acima. A decisão de pasteurizar ou não, não pode ser prevista em lei, mas deve partir da decisão cotidiana do queijeiro, em função da informação disponível sobre a qualidade do leite, seja de produção própria ou não.
Esta campanha tem como objetivo alertar a comunidade para este equívoco histórico do higienismo (que pode até ter tido lá sua contemporaneidade), mas que manteve a produção artesanal asfixiada por mais de meio século. Isso vai mudar.